terça-feira, 1 de setembro de 2009

baseado no filme Pai e Filha
[escritor convidado: Nelson de Oliveira]

O pai

Tanto tempo embaixo da árvore do quintal que ele criou raízes. Eu não, ao contrário, criei asas. Ele, os pés fincados numa casa escura no centro da vila; na cabeça, o chapéu de palha e um facão embainhado no quadril, o rosto muito vermelho do sol do meio dia no caminho da roça.
As suas raízes pelos subterrâneos daquela terra árida procurando água, procurando fontes, para que ele-tronco e os seus galhos-filhos pudessem ocupar um lugar na paisagem.
Ele, o contador de histórias do tempo de lampião, o pai de oito filhos. Eu, o terceiro rosto, a terceira boca, a primeira filha, a que bateu asas.
A que sobrevoou cidades, ruas sem saída, bebeu de outras águas e comeu pães anoitecidos.
Ele criou raízes; eu, asas. E um dia voltando para casa não vi mais nos seus olhos aquele que havia se plantado ali. Os olhos, que não mais se sabiam olhos de pai, morreram primeiro. Em seguida, tombou o corpo-árvore.


Conse Bastos